“A situação na Líbia é difícil, sob uma aparente calmaria armada. Nos últimos anos, a comunidade internacional tentou eliminar o problema, não resolvê-lo. Esta abordagem exacerbou as divisões.” Mohammed El Senussi, 60, o príncipe herdeiro da Líbia, cresceu e vive em Londres. Ele parou em Roma em suas negociações internacionais para propor uma solução para a Líbia. O plano é baseado na restauração da ordem constitucional monarquia estabelecida em 1951 e derrubada em 1969 pelo golpe de estado de Gaddafi, que depôs seu pai Sayyid Hasan I e prendeu ele e toda a sua família.
A perspectiva de eleições dentro do ano, esperada pela Itália, é realista?
“Espero que sim, mas há problemas que não estão superados: dois governos, dois parlamentos, poder concentrado nas mãos de poucos cleptocratas, grupos divididos e incapazes de colaborar.”
Qual é a sua posição em relação aos dois governos?
“Neutro, numa lógica de pacificação e unidade nacional para sair deste labirinto de oportunismo e brutalidade”.
Por que você voltou ao campo depois de dez anos de silêncio?
“Nunca procurei me promover ou me obrigar, nem mesmo a suportar acusações de indiferença e irrelevância. Mas hoje os apelos para o retorno da monarquia estão aumentando na Líbia, como uma solução para esse impasse. Eu não estou com pressa. Estamos tentando ilustrar essa opção para a comunidade internacional. Precisamos de um reset.”
De onde vêm esses pedidos?
“Tribos, advogados, até milícias, até oficiais do antigo regime. Mas sobretudo uma nova geração que não conhecia a história da Líbia pré-Gaddafi. Não esqueçamos que a revolução de 2011 tomou como símbolos a bandeira e o hino da monarquia.
Quais são os pilares do seu projeto?
“Monarquia para o sentido da continuidade histórica nacional, Constituição para estabilizar as instituições, direitos humanos como bússola nas relações internacionais”.
Quem são seus interlocutores?
“O apoio internacional é essencial e não temos preconceitos nem interlocutores exclusivos. Os Estados Unidos são essenciais, mesmo sabendo que a Líbia não está no topo de sua agenda. Entre os países europeus, Itália, Alemanha e Grã-Bretanha”.
Qual pode ser o papel da Itália?
“Fundamental. Por razões de história milenar e interesses atuais, nossos destinos estão ligados”.
Na Itália, a emergência da imigração é central.
“A Itália deve entender que, para resolver o problema da imigração, deve primeiro resolver o problema da Líbia.”
Tipo, como?
“Em uma palavra: estabilidade. A Líbia deve ter instituições legitimadas e um exército adequado, para que em apenas um ano as saídas ilegais para a Itália possam ser consideravelmente reduzidas. Sem Estado, sem estabilidade, pensar em bloquear a imigração é ilusório”.
Acordos com a Guarda Costeira da Líbia não são necessários?
“Acordos com a Líbia na ausência de estabilidade não podem funcionar. Mesmo que tentemos fazer o nosso melhor, sem um aparato de Estado eficaz, é como esvaziar o mar com as mãos”.
Isso também se aplica a arquivos de energia?
“A Itália deve entender que mesmo o melhor negócio está fadado ao fracasso em uma situação de instabilidade crônica. Não há barganhas no caos.”
Durante uma recente visita do primeiro-ministro Meloni a Trípoli, novos acordos de energia de bilhões de dólares foram assinados.
“Estou feliz. Mas acordos com governos de horizontes limitados têm horizontes limitados e eficácia frágil”.
Qual foi o erro do Ocidente na Líbia até agora?
“Achar que você pode proteger seus interesses exportando e impondo um modelo institucional criado no Ocidente, sem levar em conta a identidade nacional dos outros. Uma visão a curto prazo: cada país tem a sua história e a Europa prova-o”.
Por que a monarquia protege a identidade líbia?
“Em 1947, a Líbia emergia de décadas de colonização e guerra. Como hoje, era assolada por divisões geográficas (três regiões) e tribos, mais de uma centena. Minha família havia liderado a resistência e não “tinha filiação tribal”. A monarquia foi estabelecida sob a égide da ONU através de um processo de diálogo e consenso nacional, como um sistema que teria se adaptado melhor.”
A Constituição de 1951 ainda é válida?
“Claro. Tinha sufrágio universal, judiciário independente, eleições regulares, liberdade religiosa e de imprensa. As mulheres podiam votar na Líbia antes da Suíça e de Portugal”.
A presença, mesmo armada, da Rússia e da Turquia no cenário líbio favorece ou dificulta o processo de estabilização?
“Todas as tropas estrangeiras devem deixar a Líbia. Wagner como qualquer outro grupo armado. Não sou hostil a nenhum país e quero dialogar com todos na ONU, mas essa condição é fundamental para garantir um futuro ao meu povo”.
Wagner usa migrantes da Líbia para desestabilizar a Itália?
“Atores irregulares proliferaram na Líbia. Atores não convencionais têm participado de guerras não convencionais e não podemos subestimar o papel que desempenharam na desestabilização da Líbia e na ameaça à Itália. Estamos convencidos de que esse vácuo foi explorado por cartéis criminosos, em associação com atores não estatais que usam a migração como uma ferramenta política armada. Perguntas como essa apenas reforçam a necessidade imediata de uma solução política legítima e de longo prazo que estabilize o país, sem a qual a situação provavelmente se deteriorará ainda mais, como tem acontecido constantemente nos últimos 12 anos.
Além do seu projeto, que perspectiva tem a Líbia?
“Precisamos reunificar o país, com um mecanismo constitucional para consertar o que está quebrado. Por hipocrisia, a alternativa não é a democracia. A alternativa é que os líbios tenham eleições negadas, vivam em instabilidade política permanente e enfrentem a ameaça de guerra civil uma vez a cada dois ou três anos.”
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