A própria Igreja Católica em Portugal iniciou um trabalho de esclarecimento e análise histórica do fenómeno do abuso sexual de menores que tem ocorrido no seu seio. Em janeiro de 2022, na sequência do contributo da Conferência Episcopal, foi constituída uma Comissão de Inquérito Independente presidida por Pedro Strecht, psiquiatra infantil, e composta por outro psiquiatra Daniel Sampaio, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, pela socióloga Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a diretora Catarina Vasconcelos. Ontem em Lisboa foi apresentado o relatório final de 10 meses de trabalho da Comissão, que consistiu na recolha de denúncias, auscultação das vítimas, entrevistas a bispos, padres e responsáveis de instituições envolvidas em casos de abusos, consulta de documentos nos tribunais diocesanos arquivos. Trabalho que tem sido apoiado financeiramente pela Igreja portuguesa, mas, garantiu Strecht, com o máximo respeito pelas prerrogativas dos investigadores.
Em conferência de imprensa na Fundação Calouste Gulbenkian – que leva o nome do magnata arménio do petróleo falecido em 1955 na capital portuguesa – foram apresentados alguns dados que terão de ser explorados e comentados (uma assembleia plenária extraordinária da Assembleia Episcopal Conferência para analisar tudo). De janeiro a outubro, a Comissão recolheu 564 denúncias/testemunhos sobre casos ocorridos entre 1950 e 2022, julgando credíveis 512 (25 depoimentos foram comunicados à autoridade judiciária, os restantes relativos a crimes ultrapassados). A partir desses casos, foi estabelecida uma estimativa, ou seja, “um número mínimo, absolutamente mínimo de 4.815 vítimas” em 70 anos, disse Strecht. Números que “não podem ser ignorados”, comentou o presidente dos bispos portugueses, José Ornelas Carvalho, pároco de Leiria-Fátima. “É uma ferida aberta que nos dói e nos envergonha – acrescentou o prelado em um comunicado – pedimos perdão a todas as vítimas: as que testemunharam corajosamente, em silêncio por tantos anos, e as que ainda vivem com sua dor profunda seus corações, sem compartilhar com ninguém”. No entanto, Pedro Strecht falou de um número relativamente baixo de abusadores na Igreja, exortando todos “a não confundir a parte com o todo”. Mesmo a percentagem de abusos cometidos no âmbito eclesial é “muito baixa face à realidade dos abusos sexuais de menores em geral”, Strecht sempre sublinhou: só em 2019 e 2020, foram cometidos em Portugal 7.142 crimes sexuais contra menores. Nesse sentido, foi outro membro da Comissão, o psiquiatra Sampaio, quem pediu uma investigação nacional sobre abuso sexual, para enfrentar o problema de forma cabal.
Voltando aos dados do relatório, as vítimas revelaram-se ligeiramente masculinas (52%). Quanto ao número de agressores, não foi fornecida nenhuma estimativa, mas os testemunhos recolhidos revelaram que 96% deles eram homens, 77% sacerdotes, e os abusos foram amplamente repetidos ao longo do tempo. Os casos notificados ocorreram principalmente em “seminários, internatos e instituições residenciais, confessionários, sacristias e casas de padres”. O período mais trágico é entre as décadas de 1960 e 1990. O início dos abusos ocorreu, em média, quando os menores tinham 11 anos. A Comissão registrou sete casos em que as vítimas cometeram suicídio.
“Extremo fanático por mídia social. Desbravador incurável do twitter. Ninja do café. Defensor do bacon do mal.”