Portugal-Marrocos, uma história de reconquistas e saudades irrecuperáveis- Corriere.it

Marrocos x Espanha nas oitavas de final, França x Inglaterra nas quartas de final e o sonho despedaçado Argentina x Brasil nas semifinais. As partidas secas da Copa do Mundo são disputadas na fronteira. Ele arrisca passar às escondidas as últimas quartas-de-final: Portugal x Marrocos. Um desafio entre dois países que, sem serem vizinhos, estabeleceram laços ao longo dos séculos.

“Queimem os barcos, não há como voltar atrás.” Todos os anos, cerca de 100.000 pessoas deixam a costa marroquina para se tornarem “migrantes”, “refugiados” ou “cidadãos não europeus”.; mas nos lugares de onde saem, são harragas, “aqueles que queimam”. O primeiro das fileiras intermináveis ​​de “aqueles que queimam” foi Tariq ibn Ziyad, conhecido como o caolho, o líder berbere que em 711 deu lugar a quase oito séculos de domínio islâmico na Península Ibérica.

Assim que desembarcou, Tariq disse a seus homens que ateassem fogo aos barcos que os haviam levado do Marrocos à costa da Andaluzia. Ele representa a cabeça de ponte de uma nova civilização que não retornará até 1492. Em vinte anos, árabes e berberes (até hoje Marrocos está igualmente entre essas duas etnias) arrebatam toda a península dos visigodos e suevos, incluindo Portugal. Eles só foram detidos nos portões dos Pirineus pelos francos de Charles Martel, cem anos após a morte do Profeta. Em Poitiers, em 732, iniciou-se a lenta Reconquista, que para Espanha terminou em 1492, mas para Portugal dois séculos menos, com a conquista do último posto avançado dos mouros em 1250.

Esperando por, Lisboa havia se tornado uma Taifa, um principado islâmico, que experimentou grande expansão sob os árabes. Ergueu-se uma nova muralha (a cerca moura), construiu-se um castelo no local onde hoje é o San Giorgio e desenvolveram-se bairros inteiros que denunciam a origem árabe, como Alfama. A reconquista cristã começa a partir das Astúrias, resultando num reino independente de Portugal em 1143. Depois de tomar o Algarve e fazer de Lisboa a capital, começam no século XIV as explorações que fazem de Portugal uma potência mundial, mesmo em detrimento de Marrocos.

Em 1413 os portugueses ultrapassam o constrangimento de Gibraltar para tomar Ceuta. Várias vezes tenta penetrar no continente marroquino e tomar Tânger, com resultados insatisfatórios. Em 1578, o desastre aconteceu: o último rei português, Sebastião, caiu em Alcácer Quibir – uma cidade a 100 km de Tânger, que os árabes chamam de Ksar el-Kebir – contra o sultão Abd al-Malik e seus aliados otomanos. Sebastiano desaparece sem deixar herdeiros e o corpo jamais será encontrado. Portugal logo cai sob o domínio espanhol, com uma união das coroas que durou oitenta anos; Sebastiano entra antes no mito e na mentalidade portuguesa, como “o Desejo”.

Ao longo das décadas, às dezenas de impostores junta-se a expectativa messiânica de um libertador. O sonho que beira a saudade – o conceito de melancolia por algo que se perdeu – que os portugueses enraizaram na colônia brasileira. A de um soberano capaz de redimir o país e, numa tradição que chega a Pessoa da Bíblia, de criar o mítico Quinto Império. Em Sebastião e o Quinto Império, o maior poeta português sonha com um império que – depois dos assírios, persas, gregos e romanos – seja capaz de conquistar o mundo.

O Quinto Império é o título do filme de Manoel De Oliveira, considerado o maior cineasta português de todos os tempos, que retoma a profecia de Sébastien le Désiré. Um sonho definitivamente desfeito em 1774, quando Marrocos e Portugal concluíram um acordo de paz e amizade, símbolo da progressiva redução das aspirações imperiais portuguesas; terminou definitivamente duzentos anos depois com a independência das últimas colónias: Angola e Moçambique em 1974.

E assim chegamos aos dias de hoje, com o downsizing de Cristiano a aproximar Portugal da ‘multidão única’ de Peso; mente Marrocos busca a glória para um continente inteiro. O acesso à meia-final permitiria aos portugueses igualar o recorde pessoal do Mundial inglês de 1966; Vencer o Marrocos garantiria o melhor resultado da história do continente africano. Três vezes na história, uma seleção africana chegou às quartas de final: Camarões de Roger Milla na Itália 90, Senegal de Diouf na Copa do Mundo nipo-coreana de 2002 e Gana que em 2010 na África do Sul chegou a 11 metros da semi- final.

Há dois precedentes entre Marrocos e Portugal, ambos na Copa do Mundo. A primeira em 1986, quando o Marrocos venceu por 3 a 1 no México (dois gols de Khairi e Krimau de um lado, Diamantino do outro); a segunda vem do último mundial na Rússia: vitória portuguesa por 1 a 0, gol de Cristiano Ronaldo.

Harlan Ware

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