Festival de Cinema de Veneza, A Herdade é um filme convincente e envolvente que lembra remotamente O Gigante

Uma espécie de caixa vazia entre a Espanha e os Estados Unidos. Para preencher uma lacuna absurda, uma obra de Portugal chega finalmente a concurso no Venezia 76


Sempre fomos privados de filmes portugueses. Se não fossem os meteoros típicos dos festivais Manuel De Oliveira, João César Monteiro, e recentemente Pedro Costa E Miguel Gomes, não saberíamos praticamente nada sobre a cultura cinematográfica deste país. Uma espécie de caixa vazia entre a Espanha e os Estados Unidos. Para colmatar uma lacuna absurda, aqui está uma Veneza 76em Competição, chega Na Herdade (em italiano O domínio).

Este não é o clássico filme grandiloquente que serve de caricatura de um festival taciturno. Mas antes uma solene epopeia familiar ligada à transformação de 50 anos de história da pátria que a acompanha: 14 mil hectares de arroz, trigo, milho, centeio a sul do Tejo. Massas de camponeses nos campos como em Século XXenormes fazendas até onde a vista alcança, e no centro o herdeiro da terra, o proprietário João Fernandes (um Albano Jeronimo monumental), rico proprietário de terras, calças enfiadas nas botas, cigarrilha acesa e ainda fumando entre os lábios (fuma com a careta de Clint Eastwood e é só por esta razão que gostamos muito dele), imediatamente adulto após um trágico prólogo que o vê como uma criança fugindo para uma ilhota fortificada em sua propriedade depois que seu pai o força a olhar para o corpo de seu irmão suicida pendurado de uma árvore. João é um cara alto, taciturno e de olhar determinado. Aparentemente correto e apreciado por seus funcionários, provavelmente com o hábito de não estar satisfeito sexualmente com sua esposa, sua filha e seu filho que realmente não parece ter a determinação de seu pai, ele é acompanhado por dois funcionários do governo. Desde A dieta de Salazar em 1973. Isto envolve declarar publicamente o apoio ao governo, particularmente à política colonial de Portugal em África.

O homem recusa elegantemente o pedido urgente, confiando no seu sogro, um general do exército, embora o exército o faça pagar ao prender um valioso faz-tudo agrícola descoberto debaixo do colchão, cheio de materiais de propaganda comunista. Estamos, entre outras coisas, perto de Revolução dos Cravos (1974) e Fernandes encontra-se assim no auge da sua história familiar, no preciso momento em que as ideologias social-comunistas tentam penetrar até mesmo entre os trabalhadores dos seus campos. Mais um salto e chegamos a 1991. Fernandes já tem sessenta anos, os bancos devoraram terreno após terreno para saldar as suas dívidas, mas sobretudo o equilíbrio familiar (há um filho com a mulher do pai, braço direito que nunca conheceu o seu verdadeira paternidade) parece ruir e ruir completamente sob a total inépcia do filho Joaquim.

Um cinema em grande escala a do realizador Tiago Guedes (no seu terceiro filme e após várias séries televisivas) capaz de adoptar uma dialética forte e eficaz entre planos gerais e grandes planos, bem como a construção do espaço através de movimentos prolongados de câmara. Um cinema muitas vezes feito de silêncios e olhares explicativos, de uma presença preponderante e marcada de atores, de reconstrução histórica mínima e minimamente invasiva.

Um resultado convincente e envolvente, que lembra remotamente O gigante ou um western como Anthony Mann misturado com os tropos melódicos mais clássicos de traições, relações entre pais e filhos, laços de sangue. Em Na Herdade as páginas trágicas e políticas de um país são folheadas silenciosamente, enquanto a roupa suja da casa é lavada disruptivamente nas paredes privadas. Resumindo, um excelente título de competição, que alguns produtores de grandes marcas poderiam usurpar para fazer uma série de TV. Mesmo que o filme de Guedes seja extraordinário de assistir pela sua duração exponencial 164 minutos, de uma só vez, imerso na imensidão de uma natureza silenciosa e maravilhada, suspenso na flutuação do tempo, agarrado a um “mestre” progressista atípico do século que se passou. Entre as peças musicais ainda pouco conhecidas, está a mão do grande Parte Arvo. Produz, mas sobretudo cria a história e a filmagem, um pilar do cinema de arte português e europeu: Paulo Branco que fugiu do regime de Salazar nos anos sessenta e depois produziu, entre outros, os filmes de Assayas, Tanner, Schroeder, Wenders e até mesmo Cosmópolis de Cronenberg.

Beowulf Presleye

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