Fuso, videoarte em movimento em Lisboa

A videoarte tem sessenta anos, se tomarmos a data da exposição de Wuppertal de 1963 “Exibição de Música. Televisão Eletrônica” em que o jovem Nam June Paik exibia, entre outras coisas, monitores com imagens distorcidas e transformadas que também podiam ser acionadas manualmente pelos visitantes.

No festival FUSO, em Lisboa, a primeira noite foi dedicada aos primórdios desta nova “indisciplina”, entre a Alemanha e os EUA, entre a música e a imagem electrónica, entre o Fluxus e a body art. Isabel Nogueira falou sobre isso, num intenso diálogo com o público, no dia inaugural do festival, para reconstituir as raízes e os desenvolvimentos de uma arte à qual o FUSO tem dedicado as suas noites ao ar livre, nos claustros e jardins dos museus, há quinze anos e edifícios antigos, nos amplos espaços do Tejo, nas alturas do Castelo de São Jorge. Inauguração dupla, porque decorreu no novíssimo e amplo espaço do Duplacena, que entre as suas inúmeras atividades (inclusive produtivas) promove e organiza o festival: o seu diretor, Antonio Cámara, é um dos fundadores e diretores do FUSO. Aqui, na inauguração, a exposição de videoarte dos Açores, organizada por Rachel Corman: há cinco anos que existe de facto uma “ilha FUSO”, em São Miguel, onde nasceu um laboratório dedicado à imagem em movimento, com uma equipa criativa programa de residência: “Espaço/tempo de aprendizagem, pesquisa e experimentação”. Oito pequenas obras que, sob diferentes ângulos, contam a história da relação dos artistas e autores locais com o seu território, do encanto de uma natureza grandiosa às tradições, do quotidiano à presença do turismo. Entre documento e experimentação.

De ano para ano, o FUSO conquista um público cada vez maior e variado: a primeira noite é muito concorrida, dedicada a curtas produções portuguesas e de autores estrangeiros residentes em Portugal: único concurso de videoarte do país, chegaram mais de 250 obras e 12 selecionados (curador: Jean-François Chougnet), com votação do público e do júri. A produção pós-pandemia ganha matizes melancólicos e distópicos, o público não explode em gargalhadas como fazia anos atrás diante de obras grotescas ou lúdicas. Paisagens machucadas, sons obsessivos. Talvez seja por isso que os espectadores recompensaram o surreal e às vezes cômico Pi Pi Pi Pi de Maria Peixoto Martins, um plano geral com mais de 580 sons de buzina diferentes no trânsito caótico do Cairo. Prêmio do júri para Ensajo para sonho, de Ian Capillé: narração sobre fundo preto, reflexão sobre a perda, a ponto de alternar escuridão e formas luminosas. Meditação sobre o final (“que é lento”) mas também sobre a abertura de sentido oferecida pela tela preta; e, como diz o autor, sobre “a misteriosa escuridão luminosa da fotografia”. Esta noite, à beira do Tejo, no amplo espaço em frente ao MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), como sempre, o público do FUSO ofereceu vinhos e doces; mas desta vez sem cobertores frios, porque mesmo em Lisboa no final de Agosto faz mais calor que o normal e não precisa de se proteger do ar fresco que vem do oceano. Só no final do festival é que o clima muda e os espectadores, deitados nas tradicionais espreguiçadeiras que caracterizam o público ao ar livre do FUSO, voltam a envolver-se nas mantas distribuídas à entrada. A programação continua com uma noite intitulada “Let’s Dance”, um vídeo da coleção francesa do Centre National des Arts Plastiques (curadoria de Pascale Cassagnau): música, performance filmada, ensaios, sons e gestos, deambulações. Uma noite foi dedicada ao glorioso distribuidor LUX, Grã-Bretanha, no jardim do palácio Sinel de Cordes, organizada por Benjamin Cook, com particular atenção, inclusive política, às comunidades migrantes e à ideia de pertencimento, em vídeos que exploram de diferentes formas a ideia e o imaginário rural nas suas conotações e distorções ideológicas e sociais.

Temas que também animaram a noite no Castelo: aqui Inês Grosso, curadora do Museu de Serralves no Porto, apresentou uma seleção dedicada às culturas indígenas do Mato Grosso, incluindo Eu sou uma arara, de Rivane Neuenschwander e Mariana Lacerda (2022), resultado de pesquisa que documenta performances e desfiles impressionantes em São Paulo, Brasil, contra o genocídio e a destruição ambiental: entre os manifestantes e a floresta de cartazes, muitos artistas com máscaras maravilhosas inspiradas na fauna e na flora brasileiras, em passeios dançantes que se tornam “como um floresta densa e poderosa”. Ontem à noite, como sempre, com uma reconstrução da história da videoarte, organizada por Lori Zippay da Electronic Arts Intermix, Nova York, uma das mais antigas e merecedoras distribuidoras-promotoras de artes eletrônicas do mundo. Também desta vez foram apresentadas obras restauradas: a homenagem foi para Charles Atlas, pioneiro da videodança, colaborador próximo de coreógrafos, bailarinos e artistas, autor de documentação já lendária, oscilando entre a ficção e as invenções figurativas, narrador de uma cena durante décadas à frente. cultura -garde: o retrato de Merce Cunningham que desliza de um espaço para outro graças à técnica Blue Studio e se duplica e se multiplica graças aos primeiros efeitos de vídeo é um clássico da videodança, aqui exibido com obras de 1975 a 2014.

Centro de vibrante atividade audiovisual, Lisboa acolhe outros eventos internacionais de videoarte, como a VEM, “Videoarte em movimento”, uma exposição itinerante entre Espanha e Portugal, e a Loops.Expanded, uma rede entre diferentes países focada na ideia de the loop (a chamada para a próxima edição): uma seleção de vídeos destas exposições e do FUSO será apresentada em Pisa, no cineclube Arsenale, no dia 25 de outubro, ilustrada pela artista Irit Batsry, que de diversas formas faz parte destas iniciativas, e na presença de um autor da seleção italiana de Loops.Expanded, Tommaso Lunardi. Videoarte em movimento.

Harlan Ware

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