Entre a história e o presente, o novo espetáculo de Tiago Rodrigues traz consigo questões (dilemas éticos) como acontecimentos políticos em Portugal, também se projetam no presente da guerra na Europa. “Catarina e a beleza de matar fascistas» é o título de uma obra repleta de referências históricas, composta por diálogos estreitos e pontuais.
Um show de dúvida, apesar do título claro, que também irritou os representantes dos Irmãos da Itália (obviamente sem ver o show) em Roma e Modena, onde foi encenado no Teatro Storchi pelo Teatro Emilia-Romagna que co-produziu com o Teatro Nacional de Portugal.
Na história imaginada por Rodrigues, estão num futuro próximo, dentro de alguns anos, em Portugal. Uma família se uniu, todos os anos por um longo tempo, fazendo campanha por um de seus ritos políticos: matar um fascista, sequestrado para a ocasião, porque o partido de direita já conquistou a maioria dos votos (o ponto de partida é o presente de hoje: 45 anos após a Revolução dos Cravos, o partido de direita partido “Chega” em 2019 entrou no parlamento pela primeira vez) e o retorno do fascismo deve ser evitado. Este rito de sacrifício é transmitido há três gerações desde que, sob a ditadura de Salazar, um antepassado da família viu a sua amiga mais próxima, Catarina Eufemia, uma figura régia da história antifascista portuguesa (uma trabalhador analfabeto morto em 19 de maio de 1954 de Assista Nacional Republicana). O tenente era o marido da ancestral, morto por ela por sua vez com seu rifle e enterrado no jardim, prometendo a si mesma que, enquanto vivesse, mataria um fascista no dia desse assassinato.
Tiago Rodrigues chega ao evento contando, ainda que com ironia, a família, os seus membros, uma alegoria de um Portugal antigo e moderno juntos (a tradição da cozinha popular com o veganismo de uma menina, os dois homens discutindo a oportunidade de abrir uma quinta ou preservar o meio ambiente etc. Uma multiplicidade até então mantida pela cola antifascista, simbolizada pelas canções (no espetáculo as canções antifascistas, Grândola vila morena, que foi o sinal para o início da revolução em Assobiando o vento). Todos na família se chamam Catarina e todos usam saia tradicional. No palco, amarrado, o prisioneiro a ser morto. Desta vez é uma menina, é sua primeira vez. Catarina, no entanto, tem uma dúvida e aqui o espetáculo se torna um parlamento, um lugar de discussão no espelho da comunidade civil: pode-se matar uma pessoa para se defender do fascismo que é violência, com igual violência? Se a direita foi eleita democraticamente, é bom quebrar as regras da democracia que acreditamos estar ameaçadas? E os soberanos e populistas de hoje são os mesmos fascistas de ontem?
Rodrigues tem uma escrita clara e afiada, os dois rostos se confrontam (a jovem e a família9 tornam-se, como na tragédia, um julgamento, a discussão de um destino inescapável. a ordem da linhagem homicida com forte cunho matriarcal. Que toma o lugar de um patriarcado de violência. Assim como o irmão muito novo, outra figura quase muda, que não conversa, mas ouve música e às vezes faz o papel de “Coro” com o público, Catarina se opõe a essa religião de violento antifascismo e a textura do diálogo atinge seu clímax. destaque na adorável comparação entre mãe e filha. O fascismo deve ser combatido, mas não de forma fascista. A mãe carinhosa lembra das medidas de restrição de direitos que a lei iniciou com o consentimento popular. A democracia prova que não tem “as ferramentas para combater o fascismo”.
O caminho para a mudança constitucional é inevitável. Catarina objeta que os princípios de humanidade e democracia não podem ser negados e que a repressão é um gesto igualmente fascista. Se o governante não segue a lei, é certo infringir a lei para matar o rei? É um paradoxo da filosofia do direito que perpassa esse texto de teatro civil e comunidade. Durante um encontro com Rodrigues em Modena, Gad Lerner conversando com o diretor lembrou o slogan gritado nos anos 70 (“Matar um fascista não é crime”). A pandemia também entrou no discurso (onde o anticientismo populista buscava o consenso, sempre explorando o medo). A companhia e o diretor suspenderam os ensaios, mas também apresentaram esses temas.
“Catarina e la beleza de matar fascistas” sobe aos palcos na Itália e vai para a Europa, a mesma atravessada pelas mesmas dúvidas incômodas: é certo matar o soberano (Putin) que abole a soberania ucraniana? É certo dar armas aos ucranianos para se libertarem da invasão e fazê-lo em nome da paz? Ou Devemos nos abster de qualquer ato de violência justamente para marcar a diversidade? Encenação de dilemas, para que fora do teatro a comunidade continue a falar sobre eles. É assim que Tiago Rodrigues resume a sua obra, que também apresenta “Antonio e Cleópatra” em Modena nos dias 7 e 8 de maio, onde o dilema está na dualidade masculino e feminino entre história e amor.
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