Os tentáculos de um polvo gigante abraçam a silhueta da ilha do Faial. Ao seu lado, um cachalote roxo é empurrado pelo vento que sopra na vela colada às suas costas. O grande mamífero navega sob o olhar atento de uma mulher peituda que brinda ao sucesso da travessia, enquanto Atlas se ocupa em conter os oceanos atravessados por um veleiro que, por sua vez, é perseguido por um barco conduzido por uma vaca malhada. Um quilômetro ou mais de murais extravagantes pintam a marina da Horta, o amuleto da sorte dos marinheiros do Atlântico.
Desembarque obrigatório de todos os veleiros desde finais do século passado, o molhe pintado da ilha azul, como o Faial o apostrofizou pelas bolas de hortênsias que se desenrolam nas suas pastagens de Março a Novembro (“grandes flores azuis e rosas carnudas como ”) Antonio Tabucchi os define), ratifica a lenda de que o navegador que não deixa rastro de sua presença terá dificuldade para voltar para casa.
Num arquipélago marcado pela particularidade e isolamento, o sentimento de abandono e afastamento (do continente) e durante meses o nevoeiro na alma marcaram os ânimos – escreveu Nuno Costa Santos o jornalista, dramaturgo e escritor açoriano – “sobretudo esta consciência de ser antes de tudo uma escala, um local de chegadas e partidas a tal ponto que sempre se pergunta a quem aqui chega… quando chegou e quando vai embora?”. percentagem da população que vive do rendimento social de inserção é de 10,2%, mais de três vezes a de Portugal (3%), a taxa de abandono escolar é de 27%, quase três vezes a taxa geral (11%). em particular, é a percentagem de lares com Internet que é de 86%, cinco pontos acima de Portugal e é bonito e faz sentido”, comenta Costa Santos “porque no conjunto o isolamento aguça a curiosidade”.
E é também o caso de António Tabucchi que não obstante deixou a sua marca, encenando em 1983 a coletânea de histórias e contos “La femme de Porto Pim” mesmo nas ilhas – e nas baleias – dos Açores, cujo Fail. A sua Lisboa contada em “Sostiene Pereira” é certamente mais complexa, mas a localização no arquipélago florido português é mais inusitada, fruto de uma intensa atividade vulcânica que se fez presente por todo o lado: desde a areia negra até às lagoas cintilantes. Diz a lenda que os Açores eram a massa terrestre da mítica Atlântida. Mitos à parte, merecem ser redescobertos, na esteira de Tabucchi: “Há vinte anos, fiz uma viagem aos Açores, um arquipélago que me pareceu mais imaginário do que real. De fato, tão “deslocado” em relação a tudo que, ao voltar, me pareceu que até minha viagem havia sido imaginária. Eu tinha visto baleias que até então considerava animais imaginários; Eu tinha ouvido histórias de vidas trágicas que pensei existir apenas na literatura; Eu tinha visto paisagens estranhas, onde abacaxis se misturam com hortênsias, que eu achava que só encontraria em livros de geografia fantasiosa. Para que tudo o que vi e vivi não desaparecesse no ar como uma miragem, pensei em contá-lo”.
O Porto Pim é um microporto onde “se pescam as moreias ao entardecer, quando a lua nasce”: um pontão, uma parede curva que segue o perfil do golfo, uma torre sineira anã e um punhado de casas brancas com reflexos nas bordas onde tudo é silêncio. Os robalos, aliás, ficam na marina da Horta. Depois de exercitar a imaginação com tintas e pincéis, os capitães envolvidos na mais clássica das travessias encontram-se no Café Sport, mais conhecido como Peter’s, um café histórico com vista para o porto que parece ter saído de uma história de Melville.
Madeira escura, candeeiros de salva-vidas e mandíbulas de baleia são o cenário para um lugar único onde, bebendo cerveja atrás de cerveja, nos conhecemos, ouvimos e conversamos entre cães do mar. É algo entre a taberna, o ponto de encontro, uma informação agência e destinatário dos correios de mensagens precárias e afortunadas. No balcão de madeira de Peter estão bilhetes, telegramas e cartas aguardando reclamação. Muito amarelado pelo tempo e pelo fumo, como a barba de Pedro que conta as chegadas há mais de oitenta anos: “em 1934 só desembarcaram 12 barcos, em 2004 depois de setenta anos uns bons 1080”. Na estação quente em média por dia (maio de 2023) ligam e pedem desembarque e abrigo no porto de 10 a 15 velas.
No primeiro andar do café encontra-se uma curiosa coleção de scrimshaw, esses preciosos dentes de cachalote gravados com cenas marinhas. Com duas mil e quinhentas peças, o museu refaz as longas horas de espera dos pescadores do Pico, a ilha vulcânica que se vê, ainda coroada de nuvens, virada para a Horta.
O Pico é a ilha dos cachalotes onde a pesca é o principal recurso há séculos e os cetáceos o seu ponto forte. Uma caçada de Moby Dick com lança de remo, arpão e um mar de coragem: “Não está muito claro porquê”, escreve Melville, “mas o facto é que os ilhéus são os melhores baleeiros”. Just Tabucchi, que dedica um capítulo às baleias e aos baleeiros, diz que nos Açores “quando as baleias flutuam no meio do oceano, parecem submarinos à deriva atingidos por um torpedo… , conseguem recordar, como num sonho, um passado muito longínquo em que as suas desajeitadas barbatanas eram membros secos próprios para acenos, cumprimentos, carícias, correr na relva entre flores altas e fetos…”.
Fechado à caça, inaugurado na aldeia das Lajes, “uma aldeia silenciosa dominada pela incongruência de um enorme convento do século XVIII”, o Museu dos Baleeiros que é pontuado por bote (barcos salva-vidas típicos para a caça de cetáceos), arpões e arpões, os habitantes que não emigraram para o Canadá organizam excursões de “observação de baleias”, pescam atum (cada vez menos nos últimos anos) e cultivam tenazmente vinhas protegidas do vento e do sal entre paredes de pedra de lava. Das uvas brancas, extraem o precioso Lajido, um vinho seco e ácido que durante séculos foi o aperitivo preferido dos czares. Em síntese, a ilha do Pico continua a ser “um cone vulcânico que emerge repentinamente do oceano: não passa de uma montanha alta e escarpada que repousa sobre a água” (Tabucchi). Desnecessário dizer mais, exceto que o Museo delle Balene organiza exposições admiráveis, inclusive de fotógrafos contemporâneos. Acompanhar as novidades do continente, mas sem anúncios focados em marketing.
NOTÍCIAS
CHEGAR
Com flytap.com via Lisboa de onde os voos duram 2h35. Sempre da capital portuguesa voos directos com esky.pt (Sata-Açores).
SCRIMSHAWS E OBSERVAÇÃO DE BALEIAS
Os scrimshaws, dentes de cachalotes e ossos gravados com figuras “marinhas”, são o fruto original e paciente do trabalho realizado com técnicas milenares pelos pescadores açorianos. Os melhores artesãos que hoje os trabalham encontram-se em Ponta Delgada na ilha de São Miguel e, mais concretamente, na Horta (saiba mais no Café Sport ou no Museu dos Baleeiros no Pico). São objetos preciosos e fascinantes, mas muito caros: os preços variam de 200 a 1000 euros e mais. Também é fácil encontrar cópias em miniatura em madeira de bote, os botes salva-vidas originalmente usados para a caça à baleia, pelos mesmos artesãos.
Já não são capturados, mas os cetáceos abundam no canal que separa o Pico do Faial. Na Horta também há Baleias dos Açores organiza emocionantes passeios de barco para caçar cachalotes. Horas inesquecíveis e grandes emoções: “Baleias à vista! »… o anúncio não é feito pelas sentinelas postadas na costa em guaritas caiadas de branco como antigamente, mas por entusiastas e conhecedores locais.
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DORMIR E COMER
Imperdível na Horta, a mítica taberna Café Pierre
Em Castelo Branco (Faial) a bonita Quinta das Buganvílias. Ainda na ilha Faial a Casa do Capitão (Rua do Capitão 5 Cedros) é uma charmosa casa de campo em pedra de lava com móveis típicos. A 17 quilómetros do centro da Horta, é silencioso e imerso na natureza romântica da ilha das hortênsias.
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Nas Lajes (Pico), os chalés do Hotel Aldeia da Fonte (aldeiadafonte.com) são panorâmicos, enquanto os “Caças do Pico” hospeda em muitas casas históricas e típicas de pedra de lava – algumas do século XVII – um B&B de bom gosto, onde também servem culinária local.
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